O cliente tem sempre razão?

Outro dia, em uma conversa entre amigos, estávamos falando sobre as novas formas de pensar quando uma delas questionou se o cliente tem mesmo sempre razão como se fala por aí.

 

Ultimamente, tenho sentido que o cliente nunca mais tem razão... pelo menos aqui em Vancouver, no Canadá, onde vivo desde o início de 2016. Gosto de chamá-la de uma “very cosmopolitan small town”

- uma cidadezinha bem cosmopolita.

Brinco que moro na cidade olímpica o ano todo todos os anos. Ao rodar um quarteirão, escuto pelo menos cinco idiomas diferentes enquanto meus olhos brilham com a explosão de cores e costumes de todas as nacionalidades. Respira-se o aroma das comidas dos quatro cantos da Terra.

Mas apesar desta glamurosa diversidade cultural, Vancouver é uma cidade pequena e, infelizmente, muitos negócios não têm concorrentes. Além disso, estamos vivenciando uma falta enorme de mão de obra, em especial nas cidades maiores, onde o custo de vida é altíssimo.

 

Atribuo a estes dois fatores a brusca queda na qualidade do atendimento que venho recebendo. Negócios sem concorrentes e com gestores que atuam como verdadeiros reféns de suas equipes para não os perder estão se perdendo na falta de cultura de serviços.

 

Outro dia uma amiga leu uma placa que dizia: “Aqui, o cliente nem sempre tem razão. Nossa equipe também tem razão e estamos abertos ao diálogo.” Aí sim. Gostei! Para mim, não há nada que um bom diálogo não possa resolver.

 

O fato é que este conceito de "o cliente estar sempre certo", quando foi criado, era certamente bem-intencionado. Com o tempo, clientes cheios de razão perderam o respeito e acabaram com a paciência de quem os serve. Veja, quando algo tão básico quanto o respeito decide desaparecer, então não há contorno que segure a paciência ou o espírito de servir.

 

O pobre conceito, hoje questionado e julgado pelas novas gerações de equipes de serviço, foi meramente mal interpretado, na minha humilde opinião. Para mim, diz respeito a um segundo conceito que gosto muito, que diz:

“percepção é realidade para quem a tem”.

Quando morei no Havaí, estava caminhando em outra trilha com um amigo, quando ele parou e deu um grito: “cobra!”. Bem, quem mora no Havaí sabe que lá não existem cobras, mas se eu passasse por cima daquele graveto iria assustá-lo ainda mais.

 Optei por pular para o lado da trilha com ele e acolher seu susto. Somente então eu apontei para a suposta cobra e falei: olha só... é um graveto! Uma vez que ele respirou aliviado, eu contei para ele que no Havaí não existem cobras.

 

Uma das ferramentas de aprendizado que nosso cérebro utiliza é a generalização. Por isso acabamos tendo percepções de realidade tão distintas. No momento do susto, meu amigo teve certeza absoluta de que havia visto uma cobra. Seu coração se acelerou, ele saltou, gritou e agiu conforme aquela percepção, que para ele era realidade no momento. Se ao invés de saltar para acolher seu susto eu tivesse abaixado para pegar o tal graveto, ele provavelmente entraria em pânico, achando que a cobra iria me picar. Por isso, escolhi acompanhar sua percepção para depois poder ampliar seu olhar e apresentar outra possibilidade.

Nos serviços não é diferente: percepção é realidade para o cliente que a tem. Se o cliente sofreu um desserviço que o fez perder a confiança na competência da equipe, o agente precisará acolher aquela percepção antes de reestabelecer a confiança.

Acontece que hoje em dia, clientes desapontados agridem e atendentes sem paciência retrucam... e isso não agrega em nada, nem para o cliente que fica insatisfeito e nem para quem o serve, que acaba passando por momentos de stress.

Agora, imaginemos que todos possam partir do princípio que percepção é realidade para quem a tem:

como seria a reação de um cliente que, ao reclamar, é acolhido, ao invés de receber uma resposta passivo-agressiva com uma pitada de superioridade?

 

Outro dia mesmo, eu tive um problema seríssimo com uma empresa de compartilhamento de carros. Aqui em Vancouver, temos este tipo de empresa, onde o carro é compartilhado como as bicicletas que vemos nos grandes centros no Brasil. O sistema da empresa caiu bem quando eu estava carregando o carro... não ligava nem por um decreto e ainda por cima estava parado na área onde eu não podia devolvê-lo. A empresa demorou quase duas horas para me atender ao telefone, quando eu poderia ter chegado em casa em 15 minutos a pé, se não tivesse tanta bagagem...

 

Quando finalmente fui atendida, a pessoa do outro lado da linha insistia em discretamente me culpar pelo ocorrido, mencionando que eu não deveria ter desligado o carro enquanto carregava a bagagem. Além disso, insistia em conversar sobre o que tinha acontecido. Muito chateada com a empresa e com apenas algumas horas para trocar de malas, dormir e partir para o aeroporto, pedi que o gerente me ligasse um outro dia.

 

As trocas com o gerente dias depois não mudaram: apesar de reconhecer que ouviu a ligação e que eu fui respeitosa com o atendente, não houve um pedido de desculpas pelo sistema ter caído, ou a oferta de algum tipo de compensação, nada. Continuaram se isentando porque eu desliguei o carro enquanto carregava e falharam em reconhecer, por exemplo, que demoraram quase duas horas para me atender ao telefone.

 

Esta empresa não tem concorrentes diretos na cidade, mas passaram a ser minha última opção na categoria “transporte”. Antes deles, opto por taxis, aplicativos e ônibus e nunca mais usei o carro deles. Portanto, perderam uma cliente e, pior, ganharam uma detratora.

Na semana seguinte, tive uma vivência oposta.

Fui mais que acolhida na minha percepção de realidade. Ao fazer check-in em um resort notei que na minha varanda havia uma teia de aranha com algo branco todo enroscado nela.

Desconfiei que fosse apenas um pedaço de felpa, mas achei melhor não tocar aquilo sem luvas e liguei para pedir ajuda.

Quando o atendente subiu, a primeira coisa que fez foi pedir desculpas – afinal, o quarto não estava impecável como deveria. Ele então fotografou o tal emaranhado, mostrando para mim através de suas ações que concordava que era estranho. Com todo cuidado, vestiu suas luvas e usou um saco plástico para isolar o material não identificado. Ao sair, recusou a gorjeta e se desculpou novamente. Insisti duas vezes, ele aceitou a gratuidade e agradeceu. Saiu com o problema resolvido, sem discutir se aquilo era felpa ou bicho ou culpar a linda mata que quase toca a varanda. E aqui estou eu falando da solução, ao invés de falar do problema.

 

Como cliente e como quem atende o cliente, qual das duas situações você preferiria vivenciar no seu dia a dia? Uma briga por poder e razão, ou uma atitude de absoluta curiosidade e respeito pela percepção de realidade do outro?

Todo mundo gosta de ser visto, ouvido e respeitado.

Que tal pararmos de brigar pela razão e começarmos a acolher as diferentes realidades com as quais nos deparamos com gentileza, respeito e leveza?

Faço a você este convite, uma interação por vez... baixe a guarda, abra o coração e permita-se acolher o outro. Mesmo que chegue armado...

Vai ser difícil não baixar a guarda e levantar o astral ao receber um pequeno ato de gentileza.

 

Às vezes também deslizo... fico brava com o desserviço, mas garanto que o melhor resultado acaba sempre acontecendo quando atuo com curiosidade, respeito, leveza e gentileza.

 

Vamos regar esta semente?

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